terça-feira, 4 de julho de 2023

ARTE-PROCESSO; TELEPERFORMANCES E PERFORMANCES DIGITAIS. por Julia Zulian

 https://cultura.jundiai.sp.gov.br/wp-content/uploads/2021/03/ARTE-PROCESSO-TELEPERFORMANCES-E-PERFORMANCES-DIGITAIS-compactado.pdf

segunda-feira, 3 de julho de 2023

CORPOS INFORMÁTICOS: PARTICIPAÇÃO, PERFORMANCE, POLÍTICA E FRACASSO. CORPOS INFORMÁTICOS: PARTICIPATION, PERFORMANCE, POLITICS AND FAILURE.

 https://anpap.org.br/anais/2018/content/PDF/27encontro______MEDEIROS_Maria_Beatriz.pdf


Corpos Informáticos: Performance (Participação), Corpo, Política e Tecnologias

Resumo

O presente texto trata, maltrata e trai do evento Participação, performance, política organizado pelo grupo de Pesquisa Corpos Informáticos em 2016, discutindo os conceitos de "participação", "performance", "política" e, sobretudo, "fracasso".

Palavras-chave: Participação, Performance, Política, Fracasso.

Abstract

This text treats, mistreats and betrays the artistic trajectory of the author and some concepts developed by the research group Corpos Informáticos, the event Participation, Perfomance, Politics, which took place in Brasilia in 2016, discussing the concepts of "participation", "performance", "politics" and, above all, "failure".

Key-words: Participation, Performance, Politics, Failure.

Fazer para si um corpo sem órgãos para fazer com os outros um corpo político. Medeiros

O corpo pode a política. Um corpo sozinho pode ser/fazer política. Muitos corpos são potência política. Corpos Informáticos,1 grupo de pesquisa em arte, a partir do qual escrevemos, desde 1992, vem fazendo composição urbana,2 performance (de rua, no teatro, em espaços institucionalizados e/ou em telepresença), videoarte e webarte. Esses trabalhos sempre, de uma forma ou de outra, buscaram fazer política: uma política sem partido ou bandeira que visa versões, voluções,3 um outro, outros. Possibilidades outras: nas ruas, em galerias e museus e na rede mundial de computadores.

1 Corpos Informáticos: Grupo de Pesquisa em arte contemporânea: composição urbana, fuleragem, performance, videoarte, webarte: www.corpos.org; www.corpos.blogspot.com.br; vimeo.com/corpos; www.performancecorpopolitica.net; facebook censurado em 2016.
Atualmente o grupo é composto por Alla Soub (Mariana Brites); Ana Reis, Bia Medeiros, Diego Azambuja; Gustavo Silvamaral; Maria Eugênia Matricardi; Matheus Opa; Natasha de Albuquerque; Rômulo Barros; José Mário Peixoto (Zmário).

2 Composição urbana: "A arte pode ser intervenção ou interferência urbana. Corpos Informáticos quer, e prefere o termo, composição urbana. A composição urbana não interfere nem intervém, compõe e decompõe com o corpo próprio, com o corpo do outro, com o espaço “público”, com a
internet." (MEDEIROS E ALBUQUERQUE, 2013, p.15)

3 Volução: "Corpos Informáticos sugere o termo "volução" entendendo que não há evolução nem involução, nem desenvolvimento, nem progresso. Volutas voluptuosas: tempo e espaço esgarçados em um contínuo redemoinho sensual e lodacento onde há sempre retorno e entorno, onde a diferença quer entornar o caldo do presente absoluto." (MEDEIROS, inédito, 2017).

Maria Beatriz de Medeiros

Compor é, antes de tudo, aproximar, isto é, avizinhar-se a algo num processo de relações. Há vizinhança de muro, de cerca, de abandono, de janela, porta, andar, calçada, rua, bairro, praça, cidade etc. Fronteiras, composição. Não há fronteira entre a sua rua e a do seu vizinho de porta/estado. Qual a fronteira da fronteira? Somos errantes enquanto compomos com a ambiência que é cada um. (Aquino & Medeiros, 2009. www.corpos.org/parafernalias)

Corpos Informáticos utiliza o corpo -nossa primeira técnica-, a técnica - que hominifica a humanidade- e a tecnologia "escovando o corpo, a técnica e a tecnologia a contra- pêlo" ("escovando a história a contra-pêlo". BENJAMIN, 1987), assim fazemos. Escovando o mundo a contra-pêlo, mas, talvez, escavando, com as unhas, a contra-pêlo. Escovando e escavando.

A performance, a mani-festa-ação - como a chamávamos no Doutorado em 1989, ou a fuleragem (sic)- como a chamamos hoje - está institucionalizada em textos, equivocados ou não, em museus, e anda se vendendo em galerias. No entanto, no nosso entender essa não-linguagem artística não pode ter definição, talvez exatamente por não ser linguagem. Se tudo cabe nela: corpo, tempo, movimento, tinta, objeto, elemento, música, dança, palavra, grupo, tudo cabe nela (sic). Nós a vemos, por vezes, como potência política por tocar o inefável, tanger incompossibilidades,4 ser o "indizível". diria Barthes, ser "o abismo intranquilizante", diria Heidegger.

Heidegger, em A origem da obra de arte (1977, p. 62), se refere a esse "abismo intranquilizante", a um "múltiplo choque" que nos arranca do habitual, que nos coloca em combate com o familiar. "Sempre que a arte acontece, a saber, quando há um princípio (initial), produz-se na história um choque, a história começa ou recomeça de novo." Exato, no Brasil, em 2018, o que urge é começar, não de novo, mas de outra forma: golpe e agora exército na rua, tudo de novo: ditadura.

Meu corpo pede performance, grito, nudez, árvores, talvez trânsito, talvez multidão, por vezes, silêncio. Assim, em 1992, na Universidade de Brasília, formei um grupo de pesquisa com alunos de Artes Visuais, Artes Cênicas e técnicos de vídeo e computacionais. Corpos Informáticos foi o nome de nosso primeiro "espetáculo". Digo

4 Incompossibilidade: O problema é que o incompossível não é a mesma coisa que o contraditório. [...] não existe somente possível, necessário e incompossível. Ele (o incompossível) pretendia cobrir toda uma região do ser. (DELEUZE, 1987) A arte cria incompossibilidades: séries divergentes em vizinhanças aparentemente convergentes.

"espetáculo", pois o fizemos em uma sala de espetáculos, mas havia, a partir de criação coletiva, muito improviso, isto é, performance.

Nossos primeiros espetáculos foram caminhando para a nudez. Arte, tecnologia (projeção de slides de fotografias de imagens tratadas por computador (infografia), corpos nus, música (Giovana Guerrante e Christophe Aveline), televisores, balanços, gangorras, enfim, a subversão do que se entendia por "arte e tecnologia": escovar a arte e a tecnologia à contra-pêlo, isto é, fazer política. Ou, ainda, fazer arte e tecnologia volvendo a positividade técnica da tecnologia.5

Antes de prosseguir cabe mencionar, em 2018, no Brasil, o avanço de mentes dementes que vêm atacando a arte, a nudez na arte, inclusive aquela dos séculos passados: exposições de arte antiga, medieval e/ou renascentista estão sendo proibidas para menores de 18 anos quando nas publicidades de rua e/ou na televisão e/ou na internet vemos uma nudez propositalmente erótica, propagandas de carros e cervejas que vendem, com os produtos, mulheres seminuas sempre jovens, dadas e sorridentes. (Apavorada, inicio este texto no dia em que um vice-presidente, que se acha presidente da Res Publica de Pindorama, declara intervenção militar no Rio de Janeiro.)

Corpos Informáticos vem compondo e decompondo com as artes visuais, com as artes

cênicas, com a tecnologia de cada época (em 2018, são 26 anos de Corpos

6 Informáticos), compondo e decompondo com os outros através da iteração no grupo e

fora dele. Compondo e decompondo com galerias, espaços institucionais e, sobretudo, com os espaços urbanos. Consideramos as praças e ruas espaços urbanos, mas também consideramos a web espaço urbano. Ambos são espaços da polícia, como diriam Abraham Moles e Elisabeth Rohmer (1977). Muitas palavras e expressões são utilizadas, nos parece, para ludibriar os desavisados. "Espaço público" é uma delas. Os espaços não são públicos, são vigiados, restritos, alguns cercados, há censura e muita polícia.

O facebook e o Instagram, por muitos considerados espaços que lhes pertencem, também são espaços da polícia. Corpos Informáticos teve, em 2017, sua página

5 www.corpos.org www.perfomancecorpopolitica.net vimeo.com/corpos

6 Entendemos iteração como interação potencializada pela possibilidade real de participação do "público" no trabalho. Iter, isto é caminho, e ação, ação que se modifica no caminhar.

simplesmente apagada do facebook,7 diversos de nossos colegas têm, com frequência, seus post apagados. Temos também que citar a quantidade infinita de comentários racistas, homofóbicos, gordofóbicos que muitas de nossas publicações têm recebido. E ainda, está virando comum encontrarmos nossos vídeos em sites pornográficos.

O que temos é uma sociedade hipócrita, um "governo" golpista, uma corja de ladrões no Senado e nas Câmaras federais, estaduais e municipais, salários monstruosos e regalias a perder de vista, para esses, enquanto nas favelas o tiro come solto e mata. Isto não é política. A política, a qual nos referimos, corrói isto que não pode nem ao menos ser chamado de sistema. O Brasil, nem barco sem bússola é: trata-se de uma multidão se afogando num mar de lama, literalmente (referência à catástrofe de Mariana e Rio Doce, MG, 2015, até hoje sem indenizar a população das terras devastadas. Há possibilidade de indenizar 400 km de rio morto, além da poluição no mar? E a onda de febre amarela, não é resultado desse desastre previsível?). E a riqueza natural, rios e cachoeiras, praias e vales, indígenas, quilombolas, negros, japoneses, italianos, poloneses, libaneses - todos brasileiros- vão sendo engolidos por esta não-máquina de Estado: crime, esse sim, organizado.

O que pode a arte? O corpo pode a política. Um corpo sozinho pode ser/fazer política. Muitos corpos são potência política. São agrofloresteiros, gays, lésbicas, trans, vegetarianos, crudíveros, artistas de toda sorte (circenses, coreógrafos, dançarinos, escritores, poetas, atores e diretores de teatro, músicos e suas músicas, artistas visuais), intelectuais em geral, escolas de samba na avenida, fazendo uma volução nem surda, nem cega: obstinada, ciente e à espreita, contra o poderio deste hipercapitalismo que tudo corrompe.

Participação, performance, política

Corpos Informáticos organizou os eventos Performance, corpo, política e tecnologia (Escola de Teatro Dulcina de Moraes, CONIC, Brasília, 2010; financiamento: MINC/ Petrobrás), Performance, corpo, política do cerrado (Lago Oeste, Brasília, 2011; sem financiamento), Performance, cidade, corpo, política (Instituto de Artes, UnB, Brasília, UnB, 2012; financiamento: FLAAC), Performance, corpo, política (local: Casa de Cultura

7 Com a página "Corpos Informáticos" apagada do facebook, criamos a página "Mar.ia.sem.ver.gonha: Corpos Informáticos. Porém, ainda não temos o mesmo alcance. Em 2018, conseguimos abrir novamente uma página Corpos Informáticos mas, com que tezão?.

da América Latina, financiamento: Redes, FUNARTE), Birutas (e)vento (Espaço Piloto, UnB, 2014; sem financiamento), Performance, corpo, política (Instituto Federal de Brasília, 2015; financiamento: UnB-MINC), Participação, performance, política (Lago Oeste, DF, 2016; financiamento: Redes, FUNARTE).8

Esses eventos buscaram refletir sobre a performance (fuleragem), seu corpo e/ou seus corpos, as ações, principalmente de rua, na cidade, como política, e foram permeados de tecnologias (transmissões ao vivo, registros em vídeo e publicação de fotos e vídeos na rede).

O intuito do último evento foi pensar a participação em performances e, como consequência, pensar o conceito de fracasso. A reflexão, performance como fracasso, resultou de uma participação minha no evento Participación, Encuentro Latinoamericano de Performance, ocorrido no Museo de Arte Contemporáneo Argentino, Junín, Buenos Aires, Argentina.9

Nesse evento, Elen Braga (www.elengruber.com.br) fez uma performance onde se

propunha a puxar 200 kilos, divididos em diversas anilhas de diferentes pesos, todos presos ao seu corpo. Braga arrastava os pesos, com dificuldade. Lembro, novamente, o evento se chamava Participación. Durante a performance, me propus a ajudá-la colocando um peso a sua frente. Rapidamente ouve murmurinho e diversas pessoas, sobretudo mulheres, se puseram a "ajudar" (performar com?). Ao término da performance, que durou, com a participação, apenas poucos minutos, o curador declarou à artista que sua performance tinha sido um fracasso.

Nós, Corpos Informáticos, trabalhamos muito na rua, com/no improviso, buscando composição urbana e iteração, logo, entendemos que o fracasso, em performance aberta ao público - e todas as performances deveriam ser abertas ao público, esse é um diferencial dessa "linguagem" do nosso ponto de vista- não podemos pensar em um possível sucesso de uma performance: como não há um script fechado, como estamos querendo que o público se torne iterator, só pode existir o fracasso, em performance participativa. Essa é uma das razões para denominarmos nossas ações, atualmente, fuleragem. Performances são trabalhos que se querem sérios, muitas vezes duracionais, onde, muitas vezes, o artista se propõe a sofrer ou a não falar com o público sujeito à

8 www.performancecorpopolitica.net
9 http://www.encuentrolatinoamericanodeperformanceparticipacion.com/

passividade como quando esse se senta em seu sofá para receber enxurradas de mensagens, subliminares ou não, de sua tele-visão (que deveria se chamar tele- cegueira). Passivos, assim nos querem os políticos, as mídias, as redes. Passivos são aqueles que não tomam parte ativa naquilo em que estão envolvidos, não tomam iniciativa. Passivos são aqueles que sofrem ou recebem uma ação, sem agir ou reagir, que obedecem sem re-ação, que nunca se re-voltam, que se submetem ao(s) parceiro(s). A performance/fuleragem é ação, pede re-ação, re-volta.

O evento Participação, performance, política10 ocorreu numa chácara na rua 18 do Lago

Oeste, DF, e entorno (esse local se encontra a 36 km de Brasília, mas parece que está a

300 km: uma região esquecida pelo Distrito Federal, quase um Farwest). Vladimir Safatle 11

diria: aqui se vive um exílio involuntário : só há um ônibus que atende a região. Esse faz 4 viagens/dia. Sem transporte público, os habitantes do local não têm acesso à cultura, a saúde pública é rarefeita, a assistência social é pífia. Sem transporte público, a nossa proposta foi de residência: os participantes ficaram dormindo em barracas e a confraternização deu-se todo o tempo. Todos estavam expostos, postos para jogo, 24 horas/dia, 5 dias seguidos.

Muitas ações tiveram a colaboração de muitos mas, podemos dividir as performances e as fuleragens, ocorridas nessa residência em participativas, políticas e sensoriais, todas com bordas confundidas visto abarcar, inevitavelmente, mais de uma das formas citadas e transitar entre elas. Trataremos, aqui, das fuleragens participativas, consequentemente mais políticas, do nosso ponto de vista.

Elen Braga, propositalmente convidada para esse evento que também se denominava "Participação", aqui, propôs, para a rua 18, um deslocamento de tijolos reunidos, sendo que, sobre esses, deveriam estar muitos de nós (iteração): todos que coubessem. Nos colocamos apertados sobre os tijolos e, aos poucos, Braga foi deslocando os tijolos.

10 Participaram deste evento o Corpos Informáticos: Ayla Gresta, Alla Soub (Mariana Brites), Bia Medeiros, Bruno Corte Real, Gustavo Silvamaral, Jackson Marinho, João Stoppa, Maria Eugênia Matricardi, Mateus de Carvalho Costa, Matheus Opa, Natasha de Albuquerque, Rômulo Barros, Zmário (José Mário Peixoto); e os convidados: Ana Reis (GO), Cássia Nunes (GO), Elen Braga, Laís Guedes (BA), Naldo Martins (AM), Raphael Couto (RJ).

11 A colocação foi ouvida em uma palestra de Safatle: quando não há ou é rarefeito o transporte público para certos locais, seus habitantes são obrigados a um "exílio involuntário".

Fracasso por Elen Braga e iteratores. Rua 18, Lago Oeste (DF). 2016. Foto: Bruno Corte Real.

Dávamos micro passos para avançar. Alguns a ajudaram no deslocamento, tornando a proposta mais iterativa. Diversas foram as leituras feitas pelos moradores locais que assistiam: uma performance acessível. Estávamos em uma mania-festa-ação: ação, desprendimento de energia, revelando mania, "síndrome mental caracterizada por distúrbios de humor" e festa, exaltação eufórica. Tudo isso completamente fuleiro. E os tijolos foram se quebrando (fracasso), tornando ainda mais instável a "plataforma" sobre a qual estávamos.

Uma outra atividade coletiva, participativa, fuleira e com intensa participação dos moradores locais, foi o Show de talentos. A proposta nasceu de uma conversa exatamente sobre o fracasso em performance: o sucesso seria ganhar o primeiro prêmio? O segundo prêmio é um fracasso? Há prêmio em performance?

Estudamos as condições de som do maior bar local, compramos prêmios para os futuros vencedores e montamos um cenário com o que tínhamos. O Show de talentos12 durou quase uma hora: foram apresentadas todas as possíveis fuleragens: canto, dança, declamação de poesia, contato improvisação, corrida em câmera lenta, desfile de "moda", houve beijo na boca entre mulheres, paqueras, muita cerveja foi tomada, muito churrasquinho comido, levando a um lucro recorde nesse e nos bares vizinhos.

Alguns caiam no tapete improvisado que montamos sobre o chão de terra irregular, o som das caixas era de baixíssima qualidade, a iluminação era feita por faróis de carros, houve muitos risos a cada "erro". O fracasso vivido por todos é performance, fuleragem, arte? A novidade foi tanta que, será que podemos afirmar, que houve "abismo intranquilizante" naquela comunidade esquecida pelo poder público? Fracasso, em francês, fracas (échec), significa barulho violento e repentino de algo que se quebra, explode, ou agitação barulhenta. Tudo isso aconteceu.

Outra ação coletiva, essa proposta por Natasha de Albuquerque, teve a participação de Cássia Nunes e Naldo Martins. A ideia de Albuquerque era correr por um descampado, com uma calça muito grande que lhe caía pelas pernas e a fazia cair. Ela também urinou, defecou, cuspiu e iteragiu, principalmente, com Naldo Martins. Ambos corriam, com calças que caíam e gritavam: "eu falo", repetidamente. Essa ação, denominada Diota,13 gerou um vídeo, que gerou inúmeras polêmicas: teve mais de 700 comentários no facebook em poucas horas e essa foi das "razões" para a censura da página Corpos Informáticos nessa rede social. Além disso, o vídeo foi exportado para diversos sites pornográficos. Atualmente são milhares de visualizações e muitos xigamentos.

Assim escreveu Albuquerque na página do vimeo:

Diota é um trabalho desenvolvido em residência artística durante o evento Participação Performance Política 2016. Foram analisados os aspectos participativos e inesperados durante uma proposta performática. Chega-se à idéia que o fracasso da performance seria a participação do público, sua intersecção e alteração. Em Diota, o fracasso torna-se evidência. Propõe-se uma corrida em meio a um lugar devastado com o intuito de cair, de revés. As interações modificam a narrativa. A sensação de perplexidade transforma a ação em absurdo - jogo sem lógica ou paradoxo do acontecimento.

O vídeo desta ação obteve mais de 600 mil visualizações no Vimeo e inúmeros compartilhamentos, em grande parte, agressivos e negativos em relação à obra. O paradoxo afirma o poder da dúvida, uma vez que o aspecto duvidoso da obra concebeu questionamento, indignação e assim gerou compartilhamentos e a disseminação do vídeo. Os ditos haters divulgaram muito bem o trabalho. Um público que não frequenta museus e pouco estuda arte

12 https://vimeo.com/194957269 13 https://vimeo.com/194573362

cumpriu a tarefa de crítico com comentários, às vezes supérfluos, as vezes elaborados. Quem afirma a arte é o público ou os artistas?

Palavras chave: fracasso, incoerência, desrazão de mundo.

Sendo um vídeo feito, durante um evento patrocinado pela FUNARTE, ao fim do vídeo lê- se "Rede Nacional de Artes Visuais. FUNARTE. Ministério da Cultura". Aqueles que reclamaram da nudez e da idiotice proposital de Diota não perceberam o quanto o investimento reverteu para a formação e o enriquecimento, cultural e financeiro, dos moradores locais.

Fuleragem e vídeo Diota. Natasha de Albuquerque. Participação, performance, política (Lago Oeste, DF, 2016; financiamento: Redes, FUNARTE). Vídeo: Rômulo Barros e Bruno Corte Real.

Gostaria, ainda de citar a proposta feita pelo Corpos informáticos durante esse evento: Dança das Cadeiras. Fizemos uma coleção de cadeiras de bar "naturalmente" quebradas (fracassadas): arte e tecnologia de terceira categoria: aquela que não pensa o futuro. Essas cadeiras de plástico levam 600 a 1.000 anos para sumirem na natureza, isto é, virarem microplástico! Propusemos a todos que se vestissem com um certo tom de vermelho, para criar uma unidade, mas não um uniforme, e munidos das cadeiras de plásticos fomos para a BR 001, onde desfi(L)amos14 por cerca de uma hora em um percurso de cerca de 1 km.

14 Para desfi(L)ando ver "Corpos Informáticos: 'Esqueci meu guarda-chuva'". Anais do 25o Encontro da ANPAP. Disponível em http://anpap.org.br/anais/2016/comites/cpa/maria_beatriz_medeiros_final.pdf. Acesso em 10 dez 2017.

Essa ação atingiu cerca de 500 pessoas, moradores, vendedores e pessoal transitando de moto e carro pela BR. A iteração foi intensa: parávamos os carros para anunciarmos que estávamos fazendo arte, outros paravam para perguntar o que fazíamos. Alguns nos deram trocados. O corpo pode a política. Um corpo sozinho pode ser/fazer política. Muitos corpos são potência política. Éramos umas 20 pessoas.

Compor é, antes de tudo, aproximar, isto é, avizinhar-se a algo num processo de relações. Há vizinhança de muro, de cerca, de abandono, de janela, porta, andar, calçada, rua, bairro, praça, cidade etc. Fronteiras, composição. Não há fronteira entre a sua rua e a do seu vizinho de porta/estado. Qual a fronteira da fronteira? Somos errantes enquanto compomos com a ambiência que é cada um. (Aquino & Medeiros, 2009. www.corpos.org/parafernalias)

Composição e decomposição: Arte (fuleragem) na rua compondo com a paisagem e decompondo camadas estanques de compreensão daquela rodovia, daquele bairro - também violento, da cidade de Brasília e seu entorno abandonado como as cadeiras quebradas. Muitas foram as histórias que ouvimos contar à noite no bar: cada um, uma leitura. Tentamos escovar a contra-pêlo a realidade, escavar a realidade, tentamos encontrar um real para além da realidade, para além da realidade que passa na tele- cegueira. Buscamos tanger incompossibilidades, ser o indizível, ser "o abismo intranquilizante", diria Heidegger. Mas, não temos certeza do impacto da ação em cada passante e/ou motorista, não tínhamos como objetivo obter sucesso, talvez a ação tenha sido um fracasso, ou melhor, certamente foi um fracasso já que não havia a possibilidade de sucesso. Assim podemos recomeçar por onde havíamos começado:

Este trabalho teórico tenta transmitir a impossibilidade de prever o que se segue à partir do que precede. Ele é descendente de um combate entre a inteligência que se exprime por conceitos, descobrindo ligações causais, analogias etc, e a galhofa: de prazer em prazer, de anedota em anedota. Assim o instinto foge das demonstrações lineares entediantes. Instinto de sobrevivência, a sobrevivência de nosso trabalho plástico. Os textos aqui reproduzidos tentam o erro, exprimem seus limites, sua nocividade. (MEDEIROS, 1989)

O catálogo do evento Participação, performance, política está disponível em https:// issuu.com/corposinformaticos/docs/cata__logo_ppp_2016_menor e sua visualização é precedida por "Content Warning. This publication may contain content that is inappropriate for some users, as flagged by issuu's user community." Censura por toda parte: sociedade hipócrita!

Assim se exprimiu Maria Eugênia Matricardi, co-organizadora e participante do evento:

Contemporaneamente diversos projetos de resistência aos poderes de homogeneização cultural e estética seguem curso, levando em consideração a multiplicidade dos modos de vida e a escolha que cada indivíduo pode exercer no íntimo e na comunidade. Esses projetos, gestos, feitos, encontros, habitam outro lugar: o regime estético (RANCIÈRE, 2005). Quando a

ação se faz no mundo, a relação com a vida se mestiça, fica indistinta, partilha do mesmo plano de imanência.

Este nó entre ações, vida, rua, dentro e fora de instituições, desvela políticas estéticas que atuam de forma urgente, agem no mundo realizando, materializando gestos, não apenas provocações. Esta efetivação compõe lugares possíveis e produz dissensos reconfigurando, material e simbolicamente, espaços e relações. Essa qualidade de política é vista como abertura e indeterminação ao que não se conhece -arte, fuleragem, fracasso- e promove a

circulação de afetos em um presente profundo, para além da camada do instante. (inédito).

Dança das cadeiras. Rua 18, Lago Oeste (DF). 2016. Foto: Bruno Corte Real.

Referências bibliográficas

BENJAMIN, Walter. Teses sobre o conceito de História. In: BENJAMIN, Walter.

Obras escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 2-232.

DELEUZE, Gilles. Les cours de Gilles Deleuze. 27/01/1987. Disponível em www.webdeleuze.com/php/texte.php?cle=137&groupe=Leibniz&langue=1. Acesso em 20 de out. de 2015.

HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70, 1977.

MEDEIROS, M.B. (inédito). O Circuito dos Afetos de Vladimir Safatle: uma teoria estética. 2017.

MEDEIROS, M.B. "Sugestões de conceitos para reflexão sobre a arte contemporânea a partir da teoria e prática do Grupo de Pesquisa Corpos Informáticos". Art Research Journal, Vol. 4. n. 1, UFRN, 2017.

MEDEIROS, M.B. e ALBUQUERQUE, Natasha. Composição Urbana: surpreensão e fuleragem. Palco Giratório: circuito nacional. Rio de Janeiro: SESC, Departamento Nacional, 2013.

MEDEIROS, M.B. Manie-festa-actions. L'artiste sujet et objet de l'oeuvre d'art. Tese de Doutorado, Universidade Paris 1-Sorbonne. 1989.

MOLES Abraham e ROHMER, Elizabeth. Théorie des actes, Paris, Casterman, 1977.

Maria Beatriz de Medeiros é artista, professora na Universidade de Brasília, pesquisadora CNPq, coordenadora do grupo de pesquisa Corpos Informáticos desde 1992. www.corpos.org


sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Diversos


1982


03/12/78


06/11/1980


mbm e Gal no mesmo jornal


1977




1977






1977


mbm e Cássia Eller: "Olho nelas". JB, 1990


1977


1990

 

terça-feira, 4 de outubro de 2022

ANPAP 2022

 






Existências a/ante/até/após... arte

 Maria Beatriz de Medeiros

 

Estimulada pelo título da mesa das ex-presidentes da ANPAP, em 2022, a saber “Existências sobre/com arte”, resolvi fazer uso de um velho hábito ou uma licença poética de algo que aprendi na infância, isto é, as preposições: a, ante, até, após, com, contra, de, desde, em, entre,.... Assim me deixei perambular por palavras, inquietações, estímulos, ritmos etc e tal.

 

Assim:

 

A

À arte nos dedicamos para existir. Não direi resistir, como em voga. Direi: à arte nos dedicamos para insistir, investir, insistir em existências outras, quiçá incompossíveis.

 

Ante

 Ante à vida dura, a arte existe, volve, devolve, envolve, rompe, rasga e frutas. Daí saberes, sabores e seios para amamentar uma humanidade que beira o desumano por fome, frio e abandono.

 

Até

 Até nas intempéries –como as atuais- a arte grita sua existência sem limites. Atualmente a censura – da arte, da língua, do sexo, a censura do desejo, dos seres e estares- tenta calar o grito que, como em ondas sonoras, não acredita em portas, janelas ou paredes, grades e manicômios. A arte grita.

 

Após

 Após o temporal vem a bonança, dizem, mas em todos os tempos a arte existiu e existe lá e em toda parte como erva daninha insana. As ervas daninhas sobrevivem aos temporais, secas e ventos. Melhor dizendo elas vivem, veem e alertam.

 

Com

 Com arte existimos e muito mais: sorrimos, só rimos e rimas.

 

Contra

 Contra governos desgovernados, machistas, xenófobos a arte se volta, revolta, revoluções, mas sobretudo voluções, volúpias em todas as direções espaço-temporais, sensoriais, sentimentais e mentais.

 

De

 De arte são feitas existências – não novas- mas outras. Outras existências para além da matéria, para além do visual, para além do tátil ou do oral: de corpo todo, sangue, fluidos e carnaval.

 

De arte, bundas, bandas, sinfonias, baterias, nudez, luxúria, ritmo, mas também pausa. Tempos diversos, muitos, às vezes alguns, mas sempre raros. “Só para os raros, só para loucos.” (Hermann Hesse)

 

Desde

 Desde o momento em que um ser humano – ou não- se deixa vazar pelos meandros da arte, algo se desloca, se desaloja, sai da loja, rompe hábitos. “_ Atenção!” No deslocamento há tensão. Uma tensão necessária quando se existe com arte no meio de um rebanho que espera o berrante, talvez, brocha. Me desculpo pela piada de mau gosto. De muito mau gosto como gosta o rei do gado e seus correligionários cegos. Me desculpo.

 

Em

 Em arte pode-se encontrar existência. É preciso estar atento e permeável. Na permeabilidade há trocas, truques, se criam traços, se deixam rastros, tatos, contatos.

 

Entre

 Entre os escombros de tanta miséria - física, moral, psíquica, ética, estética- a arte, ainda, existe.

 

Para

 Para o futuro diremos arte, arte, arte, lida como quem late. Arte, arte, arte.

 

Perante

 As existências podem se multiplicar perante a arte. Urge alimentar a população com comida, com paz. Urge desarmar a população, urge o fim das milícias. Urge o fim da guerra na Ucrânia, em Belfort Roxo, na Baixada Fluminense, no Ceará, na Amazônia. Na guerra, no medo as existências se endurecem. E agora? Arte? Arte, arte, arte, lida como quem late. Arte, arte, arte.

 

Por

Pela arte sopram rios capazes de alertar sensibilidades e raciocínios, por vezes conexos, por vezes livres, se liberdade existe.

 

Sem

Sem arte as latências se entumecem e as existências tendem ao colapso. O colapso está a nossa porta. Arte, arte, arte, lida como quem late.

 

Sobre

 Sobre existências com artes à míngua não queremos falar. Ao redor elas pululam por desleixo de poderes corruptos e nada irrequietos. É sobre inquietações que a arte semeia, aduba, rega e reage.

 

Trás

 Para trás, nunca mais.

 

Rio de Janeiro, 21 de setembro de 2022